8.29.2011

O MILAGRE DAS RAPADURAS -F. Carpinejar. Um dos mais lindos autores





A estratégia é simples, mas funciona: vendendo cada doce a R$ 9, seguido Hilberto fica com o troco pela simpatia.


A vida é dura como um pé de moleque, mas no fundo é doce.



Esta frase só tem sentido na boca de Hilberto Helvino Von Frühauf, 76 anos, morador de Victor Graeff, município de 3 mil habitantes, situado a 263 quilômetros da Capital.



Ele pagou a universidade de seis filhos vendendo rapadura de porta em porta. Desde 1975, acorda cedo, sai com uma cestinha verde cheia de confeitos feitos pela mulher Nelvi, caminha 200 metros de barro, embarca no ônibus da empresa Azul na Linha Jacuí e segue oferecendo o produto para quem encontrar pela frente em Carazinho, Passo Fundo e Não-Me-Toque, além de sua própria cidade.



O casal, que completa bodas de ouro em novembro, teve sete filhos; três já morreram: o químico Milton em acidente de carro em 1986; a professora Marilei ao cometer suicídio, inconsolável pelo fim precoce do irmão, em 1991; e Maristela, decorrente de complicações da paralisia cerebral, em 1993.



– Enterrar um filho é doer como bicho – desabafa.



Nelvi lembra que dobraram a produção caseira de rapadura para cobrir remédios tarjas preta de Maristela, que passou 19 anos na cama.



– Ela nunca deixou de ser meu bebê de colo, um bebê grande.



Com escolaridade até a 5ª série, Hilberto nem guarda ideia de como sustentou o ensino da prole.



– Eu lutei, não trabalhei. Trabalhar é fácil.



Sua aparência simples e pobre confirma o milagre. Toda manhã veste uma japona furada, o abrigo cinza com rasgo nos joelhos e as havaianas pretas.



– Juntei pobrezas para conseguir o estudo de minhas crianças.



Crianças? Mania de pai que não enxerga o filho adulto:



Márcia, 38 anos, é formada em Química e reside na praia de Cassino. Moacir, 43 anos, é graduado em Veterinária e Administração e mora em Salvador (BA). Marcos, 45 anos, é pós-graduado em Biologia e escolheu viver em Santa Cruz do Sul. Marize, 48 anos, cursou Filosofia e mora em Mogi das Cruzes (SP).



A saída de rapaduras depende exclusivamente do fôlego de maratonista de Hilberto, que não admite regressar para casa de mãos abanando.



– Questão de honra. Melhor voltar tarde, de madrugada, do que ver a cara triste de Nelvi, após horas cozinhando e embalando o material.



Hilberto comercializa 28 rapaduras de 660 gramas por dia, a R$ 9 cada. Foram 360 mil rapaduras vendidas ao longo de sua história. Isso que sofreu calotes em suas andanças, de clientes que pediram para anotar e desapareceram logo em seguida.



– Não tem problema, vou aceitando que é cortesia de Deus. Homem honesto não cobra o outro, cobra de si mesmo.



A memória fisionômica de Hilberto não perdoa nenhuma recusa. Lembrar quem comprou é o básico, ele tem refinamentos.



– Não esqueço mesmo de quem me disse não.



Um de seus métodos é contar piadas picantes diante da indecisão do cliente.



– Ou ele ri e compra ou ele odeia a gozação e também compra de vergonha para calar a minha matraca.



Sua carência charmosa ainda resulta em comissão de 10%. Afinal, ele é um garçom em permanente trânsito de sua cozinha às ruas.



– O troco é dele, para homenagear as covinhas do seu riso e seus olhos de Sinatra – brinca a bancária Juliana Ferreira, 29 anos, uma de suas freguesas em Victor Graeff.



Hilberto não sonha em ganhar na Mega Sena e se aposentar, muito menos delira com qualquer riqueza súbita.



– Se pudesse mudar algo hoje em sua vida, o que faria? – pergunto.

– Ficar mais novo para lutar mais – ele responde, sem pensar muito.



Sorte grande de seus nove netos.



Um comentário:

Elisa disse...

Caramba, deu até um aperto no coração...